A
Comunicação
Não-Violenta
(CNV) é baseada no pressuposto que os seres humanos são todos Interligados com o
mesmo conjunto de valores e necessidades. Esta plataforma suporta uma dissolução de barreiras internas que revelam nossa interconectividade, aprofundando a qualidade de nossos relacionamentos e aumentando a nossa capacidade de contribuir para a vida.
Fortalecendo Conexões: praticando a Comunicação Não-Violenta
Por
Fabiana Maia
fabimaia@luminous.net.br
“Olho por olho...e todos terminaremos cegos”
Mahatma Gandhi
A Comunicação
Não-Violenta (CNV) não é uma teoria, um método, uma técnica, nem uma ferramenta
de comunicação, muito menos uma doutrina. Talvez esteja mais próxima de uma
abordagem ou plataforma de aprendizado (mais emocional que mental) que nos
guia para fortalecermos nossas conexões com as pessoas, construindo um
ambiente mais propício para experimentarmos a paz.
O "pai" da CNV é
o psicólogo americano Marshall Rosenberg acompanhado de uma equipe
internacional de colegas, que apoia o estabelecimento de relações de parceria e
cooperação para que povos e indivíduos em conflito dialoguem de maneira
eficaz e sustentável. No Brasil, quem pode ser considerado a referência em
CNV é o pesquisador social Dominic Barter (inglês radicado no Rio de Janeiro).
A CNV enfatiza a importância de
determinar ações com base em valores comuns, enxerga uma continuidade
entre as esferas pessoal, interpessoal e social, e providencia formas práticas
de intervir.
A aplicação da CNV se dá em todos os
campos, em todas as relações e interações em que se pressupõe que haverá
diferenças e conflitos. Como passamos a maior parte de nosso dia e de nossas
vidas trabalhando, é no contexto das relações profissionais que acabamos
vivendo grande parte de nossos conflitos. E como meu foco de trabalho é o
desenvolvimento de lideranças e o fortalecimento das relações nas equipes, encontrei
no estudo da CNV uma plataforma simples, ainda que profunda, para alavancar a competência relacional para um patamar de
qualidade única de conexões.
Cada vez mais, líderes e profissionais
focam seu aprimoramento na educação emocional para criar um campo de relações
mais produtivas. Por consequência, quem aprende, exercita, e aplica a CNV,
melhora a qualidade de suas relações, desenvolve resiliência e abertura na vida
e no trabalho, e acessa o poder de cocriar o mundo, percebendo o fio condutor
que conecta nossa vida ao outro e ao resto do mundo.
Há quatro elementos-chave que
estruturam a CNV: observar sem julgar, identificar e expressar as necessidades
(do outro e minhas), nomear os sentimentos envolvidos (do outro e meus) e
formular pedidos claros e possíveis. Um quinto elemento vem coroar o processo
que é a autoempatia e a expressão de empatia pelo outro.
Muitos de nós nos encontramos
aprisionados em crenças que reproduzem um moralismo simplista de comportamentos
certos e errados, onde há vítimas e vilões. Temos o vício de adotar o atalho de
julgar e criticar, achando que assim convenceremos o outro de que temos a
razão. E assim nos afastamos das pessoas, esquecidos da ética viva dos valores
e necessidades universais– um dos pilares centrais da CNV.
Chamo esse trabalho de educação
emocional, pois há um “treino” necessário já que parecemos tão distantes de
“escutar” e poder expressar nossas necessidades, e ainda tão longe de nos
conectarmos com aquelas de nossos interlocutores. Dessa forma, sentimentos de
medo, raiva e tristeza imperam nas relações. Fugimos dos conflitos, ou queremos
acabar logo com eles, por profunda incompetência relacional. Transcendemos esse
padrão quando aprendemos a apreciar o
conflito como uma manifestação de que há vida querendo ser renovada nas
relações.
A violência, presente no nome dessa
abordagem, remete a algo mais sutil do que se costuma pensar. Não escutar com
empatia o outro pode ser violento, interromper enquanto o outro fala também.
Não valorizar suas necessidades e ceder para o desejo do grupo, pode também ser
uma autoviolentação, mesmo que a forma de se comunicar seja doce. Não se trata
da violência que se lê nos jornais, mas sim da ausência (ou carência) de
apreciação e gratidão que presenciamos na atmosfera empresarial (assim como na
familiar e outras).
“A solução de conflitos começa quando
são eliminados da linguagem julgamentos e acusações. Muitas vezes, nas chamadas
resoluções diplomáticas de conflitos, não são tratadas as fontes da agressão. A
raiz da violência, e não do conflito, está na expressão trágica de uma
necessidade humana não atendida.” Dominic
Barter
A CNV abala os alicerces que vem
sustentando (ainda que sem sustentabilidade) há milênios nossa civilização. A
lógica de punição existente em quase todos os sistemas sociais, e visível nos
ambientes organizacionais, é colocada em cheque. O pressuposto que se eu punir
alguém que cometeu um erro ou violou uma regra, estarei assim ensinando a ele
(e ao grupo) uma lição que vai levá-lo a corrigir o seu comportamento, vem se
mostrando ineficiente, já que a corrupção corporativa, a depressão, o
absenteísmo, a queda de engajamento e o estresse só parecem aumentar.
A CNV mudou a minha forma de ver e
estruturar o feedback que chamamos de redirecionamento (o que outros chamam de
“negativo”). Quantas vezes a pessoa que recebe esse feedback sai da sala como
se tivesse ficado de recuperação na escola, com a sensação de que está errada e
o “chefe” está certo. E o “chefe” se enche da ilusão de que deu um feedback
claro e que deve produzir o efeito que ele deseja. Se em alguns meses não há a
mudança esperada, está comprovado que o subordinado é um incompetente mesmo.
Será?
Se, como líder, fortaleço a conexão
entre meus subordinados, clientes, pares e chefes, posso cocriar com eles as
bases para mudanças consistentes e sustentáveis. Mesmo que um desligamento ou
uma ruptura contratual ocorra no final desse processo, a qualidade da relação,
pelo fato de a pessoa ter sentido que tinha escolhas e que suas necessidades
foram ouvidas, irá sustentar a confiança e a gratidão, mesmo depois da saída.
A empatia é uma chave importante nesse
processo. Ao esvaziar a mente de julgamentos e OUVIR com toda presença, atenção
e abertura, para poder reconhecer as necessidades e sentimentos do outro, surge
a empatia. Não é preciso concordar, nem discordar quando o objetivo é
fortalecer a conexão.
“A
empatia é a compreensão respeitosa do que os outros estão vivendo.”
Marshall
Rosenberg
As estruturas corporativas estão
organizadas de forma a produzir uma dinâmica que não promove a parceria e a
eficiência de comunicação. Vemos que as possibilidades, e aqui estamos falando
de escolhas, foram tiradas dos indivíduos, pela valorização de uma visão de
liderança que precisa orientar, comandar, controlar. No corre-corre
empresarial, há uma carência latente de tempo para fortalecer as conexões,
identificar o que cada pessoa está fazendo, qual a sua função, quais os
contratos grupais, etc.. O foco no resultado vem matando o foco no processo, e
essa discussão parece tocar na raiz da era de transformações que estamos
vivendo -- querendo ou não.
A CNV acaba servindo para que a
autoresponsabilização pelas escolhas e suas consequências seja experimentada em
sua plenitude. Como humanidade, assumimos a responsabilidade pelas atitudes de
exploração dos recursos naturais que nos últimos séculos levou nosso planeta à
situação de desequilíbrio que hoje se encontra.
Ainda que o vitimismo tenha se
enraizado há milênios, especialmente na cultura ocidental, , urge a necessidade
de cada indivíduo assumir o papel de protagonista da cena de sua vida e se
responsabilizar pelas consequências de suas escolhas.
A CNV vem apoiando pessoas, grupos,
escolas, instituições governamentais, empresas, ONGs e nações do mundo inteiro
a cocriarem uma realidade que vai além dos padrões condicionados, para uma
possibilidade de experimentarmos relações produtivas, saudáveis, pacíficas,
felizes e sustentáveis. Isso não quer dizer um estado de harmonia perene com
ausência de conflitos e desentendimentos. Apenas estaremos mais
instrumentalizados e maduros (emocionalmente) para lidar com eles, quando
surgirem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário